Pequenas infelicidades cotidianas

maos dadas

Esses dias tenho cultivado minhas infelicidades cotidianas. As cultivo não por gosto ou opção, mas por não saber o que fazer com elas…

A vida é boa. Há barulhos de infância em casa, há contentamento no trabalho, há chão, alimento, família, sustento para o corpo e para a alma em abundância.

Ainda assim há o choro incessante do pequeno, que não se explica, que não se esvai, que se fortalece no não, na falta, e até mesmo na presença demasiada. Ainda assim há incompreensão no olhar do filho. Há tédio vestido de reatividade, de grito, de choro sentido. Há pergunta calada no fundo da incompreensão. Há no silêncio dele um mundo que não alcanço, que me traz angústia, que me acusa negligência.

A infelicidade de não bastar, de ser busca onde deveria ser resposta, de não ser colo suficiente para tanta aflição me diz de uma impotência que me paralisa dia após dia e vira semente cultivada, vira marca, vira ruga na face da memória e do presente que sou.

Há um cansaço antigo, uma exaustão, que me diz muito de mim. De uma mulher que deixou de ser, ou que tem sido tanto que não cabe mais em si. Uma mulher antes da mãe; que não precisava saber todas as respostas, que não precisava aplacar angústias nem semear afeto constante. Uma mulher que antes podia ser falta, ser solidão, ser silêncio. Uma mulher que hoje, para viver e compreender suas pequenas infelicidades cotidianas precisa ser choro, ser palavra, ser tempo e espera.

Dói a sensação de não ter braços para carregar a dor do outro e não ter palavras para alcançar seus medos.

Às vezes é a mãe que precisa do colo do filho. Na angústia dele faço a morada de minha fragilidade e nos reconhecemos. Entendo que o caminho talvez não seja resposta e sim reciprocidade. As vezes nossas pequenas infelicidades cotidianas se curam quando damos as mãos e acolhemos as pequenas infelicidades do outro, simplesmente como elas são, sem que isso as modifique, sem entendimento, sem fim. Como se em nosso jardim precisássemos também de semear tristezas para florescer com inteireza.

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